sexta-feira, março 10

Descontinuidade - Capítulo 7

Capítulos anteriores: 01; 02; 03; 04; 05; 06



Uma voz lenta e rouca grita às costas de Cêntulo. Quando vira, vê o inimaginável.


CAPÍTULO 7


O Símbolo, representado pelo regimento morto, estava ali, à sua frente, formado por ossos e vísceras. Um maxilar invertido, rosnava, na parte de baixo do seu "corpo". Cada "braço" empunhava e girava no ar uma espada. Sete espadas giravam no ar. Cêntulo, atônito, observava cada detalhe como se fosse um estranho sonho. O tempo parara.

- Vhoooooouuuuuuu theeeee coooooorthaaaaar beeeeeeeeem dheeeeeevaaaaaagaaaaaaar...

Uma baba de sangue escorre da mandíbula. Gotas de suor frio vertem da testa de Cêntulo. Ele é o Vetor, o ancião falou. Possui apenas um livro contra a personificação do Mal. A luta terá o tempo que o inimigo quiser. Basta apenas esperar as lâminas rasgarem sua carne, e entregar sua alma a seu deus. Isso se ele adorasse algum deus. Olha o céu, para invocar à sua mente uma solução de defesa. E a defesa está em suas mãos.

2006 d.C.
Tobias passeia pelas cavernas escuras de sua mente, atrás de algo muito antigo. Nunca tentara isto, mas era inevitável. Uma auto-regressão é mais perigosa que a regressão assistida, mas será sua única chance. Chega a uma grande sala de biblioteca, e passeia por seus corredores. O sonho se encontra ali, perto dos tijolos úmidos do antepenúltimo corredor. Abre a caixa e volta a ser criança. E se vê criança, numa sala branca, sem portas ou janelas. Apenas um relógio tiquetaqueia. Seus ponteiros giram ao contrário do relógio de parede da vovó, que faz cucocuco quando sai o passarinho. Ninguém ali, mas não fica com medo. Algo o protege. Algo o aninha. Uma luz traz um livro pesado em suas mãos. Ele é peludo, como o peito do papai. Começa a folhear suas páginas. Todas estão em branco, com exceção de uma. Ele não sabe ler, mas percebe algo diferente naqueles escritos. Eles têm uma interessante relação com o relógio.

428 d.C.
- Thula! Não faça isso!

A esposa de Khon não está mais viva para administrar suas faculdades mentais. Ela é um Instrumento. Um engenhoso instrumento de tortura mental e física. Ela derruba Khon ao chão, jogando o livro para baixo do catre. Khon apenas se defende dos golpes. Já machucou sua esposa uma vez, e não conseguirá fazê-lo novamente. A dor aumenta a cada soco. Se continuar assim, poderá desmaiar e morrer. Algo dentro dele começa a gritar. Uma sensação de força de sobrevivência. Ele não pode morrer. Não agora. Precisará destruir quem quer destruí-lo. O livro! Khon sente o livro, e tenta soltar-se para pegá-lo. Empurra com as pernas o corpo morto-vivo, e entra em baixo do catre. Quando segura o livro, silêncio. Aproveita para respirar e tomar forças. Afinal, não sabe o que o espera assim que sair de lá. O medo de colocar a cabeça para fora é muito. O peso da madeira é insuportável para levantar, na posição em que se encontra. O silêncio é assustador. Respira fundo e começa a sair, de barriga para cima para não ficar totalmente indefeso. Nada. Sai por completo, e não a vê em lugar nenhum. Silêncio. Um grito é ouvido. Uma janela é quebrada. Khon vira, mas é tarde demais. Vê apenas um olhar vermelho de ódio muito próximo. Khon apaga.

50.000 a.C.
Yzoo separa os selvagens, hipnotizados, em casais. Todos eles começam a copular, como se isso fosse a única coisa que restava-lhes a fazer com vida. Xzi observa o andamento da experiência com altivez. Zor observa seu quase-pai com ódio. A experiência não pode dar certo. Neste instante, descobre o porquê de viajar até aquele remoto momento. Zor, com orgulho de causa, descobre-se como Instrumento daquela Era, e seu alvo estava muito, muito próximo.

1.232 d.C.
- Fuja, pequena Ann! Tente se esconder na floresta, e descubra como traduzir o texto!
- E você, Dardwin?
- Eu ficarei aqui para te defender! Corra! Agora!

Dardwin, munido de seu cajado de poder, evoca Tlachtga, Andraste, Cathubodua, Macha, Badb, Neman e Nemetona. E aguarda o inevitável. Os três não-nascidos formam um círculo em volta do druída, que grita palavras de magia e blasfêmias pagãs. Os três elevam suas espadas, e entoam uma espécie de mantra:

- Sued Orupos Son. Sued Orupos Son. Rovu Olues Meso Ma Tam!
Sued Orupos Son. Sued Orupos Son. Rovu Olues Meso Ma Tam!
Sued Orupos Son. Sued Orupos Son. Rovu Olues Meso Ma Tam!


Ao terminar, golpeiam a afiada lâmina em Dardwin, dividindo-o em quatro pedaços. Limpam o sangue das espadas com seu chapéu mágico, e avançam para a floresta.

3.327 a.C.
Anamodrom observa o livro cicatrizar-se. Enquanto faz isso, treme em suas mãos. Nem se admira, pois já vira coisas mais impressionantes em tão pouco tempo. Grita aos céus zombeteiro, perguntando se era só aquilo, ou existiam mais surpresas. Assim que termina de rir, arrepende-se de ter aberto a boca.

1.832 d.C.
Do chão, figuras começam a erguer, para assombro de Diego.

- Veja, padre! Até hoje exorcisamos homens e mulheres possuídos, mas hoje são os demônios em carne e osso que iremos obrar!
- Estou vendo... Belial, Thamuz, Coulobre, Azazel, Bonifarce, Djin e Mamon. Uma maldita legião de perdidos. Velhos conhecidos inimigos de Deus.
- Somos apenas dois, padre! Nunca teremos chance!
- É o que você pensa! Nenhum demônio invadirá minha catedral e viverá para contar! Só passarão pelos portões sobre o meu cadáver! Ou não me chamo Nicanor Diez, vicarius filii Dei!

Nicanor lembrou de uma antiga história pagã que lera às escondidas no seminário. Nela, sete demônios lutam com um padre e seu aprendiz. Narrada em árabe, contava com diversas anotações de outros seminaristas que, ao longo dos anos, transformaram as notas numa obra muito mais elaborada e completa que a própria história. Numa delas, sob a alcunha de São Cipriano, explicava que o Homem surgira na imagem e semelhança de um demônio do Quinto Círculo do Inferno, e que todas as imagens assustadoras dos demônios não passavam de pura fantasia. Portanto, quando alguém encarasse algum deles, bastaria mencionar seu nome, que de besta apenas homem tornaria. Nicanor encheu os pulmões, e bradou, com todas as forças:

- São Cipriano duvidou destas carcaças que vejo! Portanto, duvidar-me-ei também!


CONTINUAÇÃO 01
Os sete demônios transformam-se em homens, e partem para a luta sem suas armas. Palavras têm poder sobre a força.

CONTINUAÇÃO 02
Os sete demônios riem, e partem para a luta entoando um mantra. Dois corpos caem em seguida.


AGORA É A SUA VEZ!
Escolha entre a continuação 01 e 02, e aguarde: na próxima quinta-feira, mais surpresas em Descontinuidade - Capítulo 8!



GLOSSÁRIO:
• Tlachtga - deusa celta dos raios e das revelações súbitas;
• Andraste - deusa celta da guerra, “A Invencível”;
• Cathubodua - deusa celta da guerra, que assumia a forma de corvo durante as batalhas;
• Macha - deusa tríplice celta, que forma, juntamente com Badb e Neman, a personificação da guerra;
• Nemetona - deusa celta da guerra e dos bosques sagrados;
• Belial - do hebraico "Bellhharar", que quer dizer "inútil", "sem valor". Sinônimo de Satã e também de Belzebu, com designativo do chefe dos demônios. No Novo Testamento, aparece uma vez (II Coríntios 6:15). O mais imoral de todos os diabos. No Livro do Apocalipse é cognominado "a besta". Num dos pergaminhos encontrados no Mar Morto, aparece como o chefe das forças do mal. Sua intenção é fazer proliferar a perversidade e a culpa. Alguns o identificam com o Anticristo. No primeiro século d.C. foi considerado o anjo da desordem que governa o mundo. É o demônio da pederastia e cultiva a sodomia. Algumas vezes é representado numa carruagem de fogo. Há um trabalho alemão da Idade Média, exclusivamente a seu respeito, denominado Das Buch Belial. Segundo, ainda, o Novo Dicionário de Personagens Bíblicas, de José Schiavo (pág.118), seria um monstro fictício, mencionado no Apocalipse sob o misterioso número 666. Possuía sete chifres e sete cabeças, ostentando sobre cada cabeça sete nomes blasfemos e, sobre os chifres, dez diademas. Assemelha-se a uma pantera, com os pés de urso e boca de leão. Noutro passo, é mencionado como possuindo dois chifres, falando com um dragão. Alguns intérpretes o deram com figuração dos falsos profetas advindo da Ásia.
• Thamuz - embaixador do Inferno na Espanha, sendo inventor da artilharia, da Inquisição e de suas punições. Era considerado o inspirador das grandes paixões;
• Coulobre - diabo na forma de dragão que, na Provence (França), andava devorando as pessoas. Em Cavaillon, cidade francesa, foi ele derrotado por São Verard, por meio de água benta. Nicolau Mignard, pintor francês cognominado Mignard D'Avignon (1606-1668), retratou a batalha. D'Avignon foi encarregado de trabalhar na decoração das Tulherias, antiga residência dos soberanos da França em Paris;
• Azazel - demônio de origem hebraica. O Levítico menciona-o como o bode expiatório, enviado ao deserto. "Deitando sortes sobre os dois bodes, para ver qual deles será imolado ao Senhor, e qual será o bode emissário". "E para espiar o santuário das impurezas dos filhos de Israel, das suas prevaricações contra a lei, e de todos os seus pecados" (Lev 6:8-34). De acordo com o livro de Enoque, é um dos 200 anjos que se rebelaram contra Deus. Nos escritos apocalípticos é o poder do mal cósmico, identificado pelos impulsos dos homens maus e da morte. Eles teriam vindo até a Terra para esposar os humanos e criar uma raça de gigantes. O Livro do Apocalipse descreve-o como uma criatura impura e com asas. É identificado como a serpente que tentou Eva e que poderia ser o pai de Caim. No século II os búlgaros bogomilianos concordavam que Satanael teria seduzido Eva e que ele, não Adão, era o pai de Caim. A maioria dos bogomilianos foi queimada viva pelo imperador bizantino Alexis;
• Bonifarce - um dos demônios que se apossou de Elisabeth Allier, freira francesa do século XVII. Conta a história que essa foi exorcizada em 1639, com muito sucesso, por Francois Faconnet. Estava possuída por dois demônios, Bonifarce e Orgeuil, havia mais de vinte anos, admitindo-se que esses demônios tenham entrado em seu corpo quando ela tinha 7 anos de idade, por meio de um pão que havia sido colocado em sua boca;
• Djin - demônio entre os árabes pagãos, representando uma das forças contrárias à natureza. Espírito ou demônio menor que um anjo. A forma plural do nome é "djinn"; a forma feminina, "inniyah". Formados de fogo ou ar, os "jinn" podem adotar tanto forma humana quanto animal. Para os muçulmanos, são entes sobrenaturais que podem ser bons ou maus. O rei Salomão possuía um anel de magia que o protegia desse demônio;
• Mamon - demônio da avareza, riquezas e iniqüidades. Foi ele quem ensinou os homens a cavar a terra à procura de tesouros ocultos, no dizer de Milton. Palavra aramaica que significa "riqueza". Cristo nos adverte que não podemos servir a Deus e a Mamon (Mateus 6: 24): "ninguém pode servir a dois senhores porque ou há de aborrecer um e amar outro, ou há de acomodar-se a este e desprezar aquele. Não podemos servir a Deus e às riquezas (Mamon)". Vide também Evangelho de Lucas 16:13.

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6 Quimeras:

@ março 13, 2006 12:56 PM, Blogger Karan Novas disse...

Puxa!
Bom, difícil... vou de 1, vai...

 
@ março 15, 2006 10:11 PM, Blogger Takren disse...

Palavras têm poder sobre a força.
UNO!

 
@ março 24, 2006 12:55 PM, Anonymous Anônimo disse...

Continuação 1

 
@ março 24, 2006 12:57 PM, Anonymous Anônimo disse...

Tem hora que lembra algo de A Voz do Fogo do Alan More. Muito bons os seus textos.

 
@ março 24, 2006 1:03 PM, Blogger André Lasak disse...

Valeu, Khaos!

Sempre que puder, passe aqui pra tomar um cafezinho... hehehe

Abração!

 
@ março 25, 2006 12:20 PM, Blogger André Lasak disse...

*** LIGAÇÕES ENCERRADAS! ***

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OBRIGADO AOS PARTICIPANTES!

PRÓXIMO SÁBADO, NÃO PERCA
DESCONTINUIDADE - CAPÍTULO 8

 

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